Noite fria, gelada. Sigo eu o suspeito, a pé, com a típica gabardina e chapéu de quem não quer ser descoberto. Vejo-o entrar por uma porta, numa rua pouco iluminada, e paro para pensar se seria boa ideia entrar. Decido esperar e fico escondido atrás de um carro estacionado. Após uns minutos ele sai, acompanhado por dois homens armados. Saio de fininho, regresso ao meu carro e repenso a minha estratégia. Volto a seguir o suspeito, desta vez de carro, e peço alguns reforços. Após o pedido depressa encurralamos o suspeito e assim, saio do veículo e revelo-me.
- O senhor tem o direito de per...caralho fodasse merda...manecer em silêncio.
- Ahahahahahahah! E é um descontrolado como tu que me diz isso?
Perco o controlo de vez e esmurro-o até que este fica inconsciente. Volto para a esquadra, deixo-o à entrada com os meus colegas e vou para casa, no entanto ainda os ouço conversar.
- Viste o que ele fez ao gajo?
- Ainda isso não é nada. Dizem que já arrancou as mãos a um par deles para que não pudessem agarrar em nenhuma arma.
Tento ignorar todas as bocas irreais e foco-me na minha vida. Mas... é cada vez mais difícil. Tudo pelo que me esforcei tem começado a quebrar. Desde pequeno que estou ciente de que tenho Síndroma de Tourette, e sempre recusei medicação, sempre acreditei na minha força interior, e até há uns tempos sempre consegui superar as coisas, umas mais facilmente, outras com mais dificuldade. Consegui terminar a escolaridade obrigatória e ainda prosseguir estudos, e encontro-me hoje numa esquadra da polícia ocupando um cargo de detective, ou coisa parecida. A minha família sempre me apoiou, embora pela noite fora ouvisse os meus pais a chorar e a questionarem-se onde teriam errado. Quando tinha os meus 20 anos o meu pai faleceu e a minha mãe desapareceu, fiquei sozinho no mundo. Amigos nunca os tive, nem nunca me interessei em tê-los, se sempre consegui tudo sozinho nunca vi mal algum em continuar assim. No entanto um ombro no qual pudesse repousar era algo que neste momento não recusaria.
Novo dia, e pelas 8.30 da manhã já me encontro na esquadra a estudar novo caso.
- Oh barulhento! Vê lá se te controlas da próxima! Precisamos deles em condições de falar! Palhaço da treta, aberração!
Levanto-me e saio. Sempre evitei o diálogo o máximo possível, tudo corre melhor enquanto mantenho a boca fechada. E como já sabia que trabalho me esperava não olhei sequer para trás. Havia algo neste caso específico que me chamava, uma espécie de dejá vu quando olhava para a assinatura nos documentos que se encontravam no processo. Enfim, há-de ser apenas impressão. Levo alguns dias a seguir o suspeito, que continua a manter aquela chama de algo familiar.
- Então fala-barato, já há avanços? Tão pá? Não te ensinaram que deves responder a algo quando te perguntam?
- E não vos ensinaram a ter...porra colhões...respeito?
- Tu não tens nada que dizer sobre isso. Não dizes uma frase sem um palavrão. - e levanta a mão com a qual me esbofeteia em seguida, habituei-me ao fim de alguns meses, mas é um mau hábito.
- Fartei-me de todos vós! Puta cona! - E saio, indo terminar oi meu trabalho.
- Vai e não voltes! Criatura do diabo...
Sempre fui gozado, não é de agora. Sozinho também sempre estive, mais ainda desde que os meus pais desvaneceram, frequentava eu ainda o ensino secundário. Mas sinto-me demasiado cheio, já prestes a explodir. Como se tal não bastasse, fiz o meu trabalho de casa e descobri que o meu criminoso não é senão um ex-polícia do outro lado do mundo, e mais, meu avô. Marquei um encontro com ele perto duma falésia extremamente rochosa, ele é demasiado perigoso, e eu também, portanto nenhum de nós deve andar à solta. Quando chego ao local não se vê mais nada nem ninguém para além de mar e algumas dezenas de metros de rocha. Saco de um cigarro, nunca fumei, mas como dizem, há sempre uma primeira vez para tudo.
- Não devias fazer isso...neto.
- Olá avô. - Falo sem tirar os olhos de uma gaivota que sobrevoava o mar azul de uma tarde de inverno. Dirijo-me depois ao porta-bagagem do meu automóvel. Avô...picha ranhosa com mel de foda...importa-se de chegar aqui? Tenho algo...cacetes de peluche...que lhe gostava de mostrar...
- Sabes, conheci uma vez alguém com o mesmo problema que tu. Existem medicamentos que te podem ajudar. Mas por enquanto, o que me querias mostrar?
Ao chegar perto do porta-bagagem o velho recebe um murro meu no estômago e atiro-o para dentro da mala do carro.
- Gosto em saber. - Fecho-o lá dentro e ligo o carro, ponho uma pedra no acelerador e faço o carro atirar-se do íngreme penhasco. Oiço depois o barulho do carro explodir após ter embatido contra as rochas, e ver o mar a reflectir as luzes da reacção explosiva é algo lindo. Chego-me à beira da falésia e ajoelho-me. Oiço paços e passo a vista por cima do ombro. Tiro a pistola e meto-a na boca. - Olá mãe...cara... - Primo o gatilho.
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O.O
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