quinta-feira, 12 de julho de 2012

Mystique Résidence - Parte Quatro

                Estás deitado. Dói-te todo o teu corpo como se tivesses sido atropelado por uma manada de búfalos furiosos perseguidos por camiões tir. Abres os olhos mas não consegues ver nada, tudo é escuro. Voltas a fechá-los. “Mas onde raio estou? O que me aconteceu?” pensas. Adormeces. Voltas a acordar. Esfregas os olhos. Começas a abri-los mas deténs-te. Com as mãos, analisas a área circundante na esperança de encontrar algo que te ajude a perceber onde estás. Estás no chão. Um chão de madeira, sentes as divisórias entre as placas. Está envernizado, mas percebes alguns vincos criados por meio de arrasto, só não sabes de quê. Começas a ficar aflito, agitas as mãos e os braços num frenesim, bates com o pulso direito na quina dum móvel, sentes que deslocaste os ossos. Agora tens esse pulso totalmente inutilizável, não o consegues mexer, nem queres. Tentas agora arrastar-te mas apercebes-te de que não sentes também as pernas. Agora sim, a tua aflição tem motivo. Tens um pulso destronado e um par de pernas que não te obedece. Levantas um pouco o pescoço e abres finalmente os olhos na esperança de conseguir ver um raio de luz, algo que te desse esperança ou te indicasse um caminho, mas bates com a testa em alguma coisa, dura, férrea, que se entranha em ti, um parafuso. “Caramba! Merdas destas só a mim!” resmungas para ti mesmo. Neste momento deixas de tentar seja o que for, descansas. Passou pouco tempo e ouves uma porta a ranger e luz a entrar por uma linha fina rente ao chão. Com essa pequena luminosidade consegues ver que estás debaixo de uma cama, mas já não estás para te preocupar.

                - Está aqui, debaixo da número três. – ouves uma voz que reconheces mas não sabes de onde ao certo.

                Retiram a estrutura metálica de cima de ti. À tua frente está uma senhora com uns sessenta anos, estatura baixa. Tem cabelos brancos encaracolados e enverga uns óculos pontiagudos nas laterais, com um pequena corrente a ligar as duas extremidades e que lhe dá a volta ao pescoço. Os lábios são encarnados como uma maçã no Inverno, e os olhos de puro azul cristalino e contrastam com as covas que tem no lugar das bochechas. Do pescoço para baixo não se vê mais pele, toda ela está coberta por um casaco, ou robe, de veludo vermelho, com um design um tanto estapafúrdio, muito rígido, com curvas que fazem lembrar os vestidos do século XVII. Uma coisa te capta a atenção naquilo tudo, os seios, totalmente comprimidos entre o corpo e o casaco, parecem ter cerca de vinte centímetros de diâmetro, mas talvez seja apenas uma ilusão ótica. As únicas palavras que a ouves proferir são atiradas para o ar com desdém, como se não fosses aquilo que ela esperava, mas o pior é que não as consegues perceber, e isso frustra-te mais que qualquer outra coisa. Ela sai da sala, que agora consegues ver na sua totalidade. Tem quatro camas de metal. Quatro estruturas de metal, não consegues ter a certeza daquilo que são, parecem-se com camas, mas de camas, na realidade, não têm nada. Quatro paredes, um armário a ocupar uma delas, de madeira castanho-clara, assim como o chão, mais especificamente, tal e qual o chão, até parece que o armário é antes a sua continuação e não algo que foi lá colocado. Janelas não as há e a porta que existe é demasiado estreita para caber por lá mais que uma pessoa de estatura normal, por isso, ficas ainda mais confuso.

                Não sabes onde estás, com quem estás nem como foste aí parar. Estás a sonhar. Odeias quando os sonhos te parecem reais, o pior é que isso cada vez tem acontecido com mais frequência. Odeias quando os sonhos pegam em situações que viveste, o pior é que isso também tem acontecido com cada vez mais frequência. Odeias quando os sonhos tomam uma certa continuidade, e odeias o facto de, também isso, estar a acontecer com cada vez mais e mais frequência. 

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