Estás
deitado. Dói-te todo o teu corpo como se tivesses sido atropelado por uma
manada de búfalos furiosos perseguidos por camiões tir. Abres os olhos mas não
consegues ver nada, tudo é escuro. Voltas a fechá-los. “Mas onde raio estou? O
que me aconteceu?” pensas. Adormeces. Voltas a acordar. Esfregas os olhos.
Começas a abri-los mas deténs-te. Com as mãos, analisas a área circundante na
esperança de encontrar algo que te ajude a perceber onde estás. Estás no chão.
Um chão de madeira, sentes as divisórias entre as placas. Está envernizado, mas
percebes alguns vincos criados por meio de arrasto, só não sabes de quê.
Começas a ficar aflito, agitas as mãos e os braços num frenesim, bates com o
pulso direito na quina dum móvel, sentes que deslocaste os ossos. Agora tens
esse pulso totalmente inutilizável, não o consegues mexer, nem queres. Tentas
agora arrastar-te mas apercebes-te de que não sentes também as pernas. Agora
sim, a tua aflição tem motivo. Tens um pulso destronado e um par de pernas que
não te obedece. Levantas um pouco o pescoço e abres finalmente os olhos na
esperança de conseguir ver um raio de luz, algo que te desse esperança ou te indicasse
um caminho, mas bates com a testa em alguma coisa, dura, férrea, que se
entranha em ti, um parafuso. “Caramba! Merdas destas só a mim!” resmungas para
ti mesmo. Neste momento deixas de tentar seja o que for, descansas. Passou
pouco tempo e ouves uma porta a ranger e luz a entrar por uma linha fina rente
ao chão. Com essa pequena luminosidade consegues ver que estás debaixo de uma
cama, mas já não estás para te preocupar.
- Está
aqui, debaixo da número três. – ouves uma voz que reconheces mas não sabes de
onde ao certo.
Retiram
a estrutura metálica de cima de ti. À tua frente está uma senhora com uns
sessenta anos, estatura baixa. Tem cabelos brancos encaracolados e enverga uns
óculos pontiagudos nas laterais, com um pequena corrente a ligar as duas
extremidades e que lhe dá a volta ao pescoço. Os lábios são encarnados como uma
maçã no Inverno, e os olhos de puro azul cristalino e contrastam com as covas
que tem no lugar das bochechas. Do pescoço para baixo não se vê mais pele, toda
ela está coberta por um casaco, ou robe, de veludo vermelho, com um design um tanto estapafúrdio, muito
rígido, com curvas que fazem lembrar os vestidos do século XVII. Uma coisa te
capta a atenção naquilo tudo, os seios, totalmente comprimidos entre o corpo e
o casaco, parecem ter cerca de vinte centímetros de diâmetro, mas talvez seja
apenas uma ilusão ótica. As únicas palavras que a ouves proferir são atiradas
para o ar com desdém, como se não fosses aquilo que ela esperava, mas o pior é
que não as consegues perceber, e isso frustra-te mais que qualquer outra coisa.
Ela sai da sala, que agora consegues ver na sua totalidade. Tem quatro camas de
metal. Quatro estruturas de metal, não consegues ter a certeza daquilo que são,
parecem-se com camas, mas de camas, na realidade, não têm nada. Quatro paredes,
um armário a ocupar uma delas, de madeira castanho-clara, assim como o chão,
mais especificamente, tal e qual o chão, até parece que o armário é antes a sua
continuação e não algo que foi lá colocado. Janelas não as há e a porta que
existe é demasiado estreita para caber por lá mais que uma pessoa de estatura
normal, por isso, ficas ainda mais confuso.
Não
sabes onde estás, com quem estás nem como foste aí parar. Estás a sonhar.
Odeias quando os sonhos te parecem reais, o pior é que isso cada vez tem
acontecido com mais frequência. Odeias quando os sonhos pegam em situações que
viveste, o pior é que isso também tem acontecido com cada vez mais frequência.
Odeias quando os sonhos tomam uma certa continuidade, e odeias o facto de,
também isso, estar a acontecer com cada vez mais e mais frequência.
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