terça-feira, 17 de julho de 2012

Mystique Résidence - Parte Cinco


                Começas lentamente a levantar os teus braços. A espreguiçar-te. Abres a boca e soltas um enorme bocejo. Esticas os braços o mais que podes, depois as pernas. Abanas o corpo como se te estivesses a chocalhar e fazes tremer os lábios com a força dos abanões. Gostas disso, parece que os lábios te vão saltar da boca, o que é tanto macabro como refrescante, dá-te uma sensação de liberdade. Esfregas os olhos e pisca-los várias vezes, depois tentas piscar um de cada vez, mas ainda não é hoje que consegues fazê-lo apenas com o direito. Olhas em volta a analisar o espaço, está como o encontraste. Um colchão e algumas mantas rotas, estás entre os dois. Depois de uma noite de pesadelos que pareciam mais reais que a tua própria vida, o que menos queres é saber que alguém esteve no mesmo sítio que tu enquanto dormias. Sentes-te cheio de energia estranhamente. Pões-te de pé num pulo, mochila às costas e abandonas o edifício abandonado. Fazes anos hoje. Será por isso que estás tão elétrico? Não acreditas realmente nisso, afinal de contas o teu aniversário não te trazia grandes alegrias. Por outro lado, desta vez podes celebrar o teu aniversário à seria, como bem te apetecer. Isso dá-te uma ideia e começas a planear algo, o único problema é que pareces estar numa cidade fantasma. Avanças em frente, para o que pensas ser o interior da cidade. Depressa te apercebes de que estás certo, os edifícios começam a mostrar-se mais bonitos e com um tratamento melhor. Pinturas mais frescas, designs mais modernos, até gostas do que vês. Tens de um lado uma fileira interminável de vivendas germinadas, cor-de-rosa, daquele que faz doer os olhos, todas com uma cercazinha branca, caixa postal à entrada, relva verde aparada e casota de cão colada à varandinha de fazer vista bonita. Tal como nos filmes americanos. Apostas contigo mesmo que nas traseiras devem ter uma pequena horta com as coisas mais básicas e fáceis de tratar, algumas alfaces, tomateiras, salsa, e uma ou outra coisa. Se há uma coisa que crises económicas têm de bom é que obrigam as pessoas a tentar dar a volta a situações difíceis, neste caso, um novo olhar sobre a agricultura de quintal. Aproximas-te muito devagar, cauteloso, na esperança de conseguir um tomatinho suculento para um pequeno-almoço energético. O cheiro a relva fresca acalma-te e dás por ti a snifá-la literalmente, aliás, a farejá-la. Chegas às traseiras, encontras o que procuravas, umas tomateiras bem carregadas. Arrancas dois dos seus frutos (ou dos seus legumes?) e foges dali como o diabo foge da cruz. Com um enorme sorriso vitorioso vais trincando os tomates, que, estranhamente, são crocantes por fora mas tão fofos por dentro que se desfazem assim que te tocam na língua. Desatas a rir às gargalhadas quando te vem à memória cenas de uma comédia que viste uma vez, que tinha como objetivo gozar com os filmes pornográficos de segunda, terceira e quarta categoria, mas que acabou por não ter piada nenhuma, no entanto tinha uma cena em que dois amigos faziam sexo com tomates aquecidos no micro-ondas e não corria lá muito bem.

                Já caminhas há cerca de quarenta e cinco minutos, ao teu redor existem agora enormes mansões em marfim, ouro e pedras preciosas, o que te faz questionar, agora mais que nunca, onde raio estás. Finalmente chegas a um cruzamento em que não podes seguir em frente, apenas direita ou esquerda. Ambas as rotas são estreitas e têm casas muito diferentes das que encontraste até aqui, todas são baixas e caiadas de branco. Pões-te a pensar que caminho seguir. Direita ou Esquerda?

DIREITA

                Algo te diz que o caminho da direita é preferível. Caminhas por alguns minutos e o cenários não muda. Gradualmente as casas começas a ficar mais altas e viras algumas vezes, já estás farto de andar e está um calor enorme para um dia de primavera, o facto das casas refletirem o sol também não te ajuda em nada, voltas para trás. Caminhas por mais uns minutos até te aperceberes de que há algo diferente, que não estás a seguir o mesmo caminho que anteriormente, entras em pânico. Encostas-te a uma parede para tentares reconstruir na tua cabeça as voltas que deste quando, do nada, ouves passos. São passos leves e rápidos, podem pertencer a uma criança por exemplo, mas não viste ninguém desde que cá chegaste, e não passaste por nenhuma porta desde que tomaste a decisão de virar para a direita. Recompões-te e segues por onde pensas ser “para trás”. O dia que começou sendo tão alegre está a tornar-se mais obscuro, começas a cansar-te da ideia de ires correr mundo e viver por ti próprio, é difícil. O céu começa a embrulhar-se, assim, do nada. Não havia nuvens até há cerca de cinco minutos, e agora nem um raio de sol é percetível. Ecoam pequenos risos, mais uma vez, de criança, e deixas de achar piada à brincadeira. Adensa-se um nevoeiro à medida que andas mais rápido. Tropeças. Cais. Alguém te fez uma rasteira e agora te pontapeia enquanto estás no chão. O nevoeiro é tão cerrado que nem vês as tuas mãos. Algo de dentes cerrados está encostado à tua espinha. Sentes a tua pele a rasgar. Soltas um grito enorme seguido de guinchos de dor, afinal de contas estão a serrar-te ao meio. Não te conseguiste levantar e sabes que agora já nunca o farás. Tal como um dia alguém te disse, não passas de uma criança perdida. A tua viagem acaba aqui.

ESQUERDA

                Atiras uma moeda ao ar, se calhar cara vais para a direita, se calhar coroa é a esquerda que escolhes. Coroa. Rodas o teu corpo noventa graus no sentido oposto ao dos ponteiros do relógio e dás o primeiro passo em frente. Sentes um arrepio na espinha, repentino, sem razão de ser. Não ligas muito a isso e segues em frente, as casas brancas não são lá muito convidativas e devido ao desconforto caminhas mais rápido. Começas a voltar para uma zona mais bem tratada, com algumas casas maiores, mas não muito. Começas a notar cada vez mais portas e janelas, e deparas-te com um portão alto, azul-escuro, rodeado por uma espécie de muralha com gárgulas. Olhas através do portão mas não consegues ver muito, apenas uns chorões com um especto bastante sinistro. Assim que tocas acidentalmente no portão este abre-se e um vento forte trás consigo a folha que tinhas preenchido por pura diversão. Uma senhora envergando um casaco longo vermelho caminha na tua direção com uma folha exatamente igual, preenchida também.

- Estávamos à sua espera – declara.

 Mystique Résidence, era real, e estava à tua frente.

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